1. Nas últimas semanas encontrei-o várias vezes, durante minhas caminhadas diárias. Adolescente. Ponto da praia variável, mas o resto sempre igual: mochila jogada na areia, calças arregaçadas e o olhar atento, acompanhando as ondas varrendo a areia. De quando em vez uma corridinha curta e uma abaixada rápida. Em seguida, mão no bolso e um sorriso; às vezes, um ar de decepção. Não resisti à curiosidade e abordei-o. Aluno da segunda série do ensino médio de um colégio público estadual. Cata moedas na praia quando os professores faltam à aula. E faltam demais...Há dias em que consegue uns dois reais; em outros, nem uma moedinha...Mas vale a pena, pois é provável que o professor da próxima aula também não apareça. Seus colegas ficam na escola até a hora da merenda e depois vão embora...Aula de Física ainda não tiveram neste nem no ano passado. Matemática, o professor apareceu duas vezes até agora. Soei um pouco falso ao aconselhá-lo a esquecer a praia e voltar à escola, “pois seu futuro depende da educação que receba ao longo da vida.”
Nossa escola é mais importante como restaurante popular do que como provedora do alimento do espírito. Enquanto nossos jovens preferirem as moedinhas mais do que incertas às aulas, mesmo que duvidosas, o Brasil continuará adormecido.
2. Essa escola pública brasileira, com falta crônica de professores de Física, Química e Matemática, precisa da reserva de cotas na Universidade para não ser obrigada a resolver seus problemas reais. Agora, o MEC fala em Reforma do Ensino Médio, com a adoção do conceito de ”núcleos centrais” (matemáticas, linguagens e ciências humanas, ciências físicas e biológicas) em substituição às doze disciplinas tradicionais. Mas não será apenas mais um “jeitinho” brasileiro, para driblar o não cumprimento da grade curricular e a incapacidade de eliminar a escassez de professores, que assim serão substituídos pelos companheiros do mesmo núcleo ?
3. Dirigindo o MOBRAL resolvi, certa vez, percorrer um eixo rodoviário qualquer, sem aviso, para ver como o órgão estava funcionando no campo. Viajei com meu Chefe de Gabinete, Marcos Candau, subindo a BR-101 na Veraneio dirigida pelo Sr. Nelson, nosso competente motorista e amigo leal. Atravessamos o Estado do Rio de Janeiro e entramos pelo Espírito Santo, pegando aleatoriamente as vicinais para chegar aos Municípíos, parando e observando as atividades da instituição. Em Mimoso do Sul, procuramos a Supervisora de Área para obter as informações pertinentes. Ela nos levou à sua casa para conversarmos e - muito hospitaleira – gentilmente nos ofereceu a especialidade de sua mãe: um delicioso licor de jenipapo que logo chegou à sala em uma garrafa de Coca-Cola litro. Marcos Candau, um diplomata nato, com passagens pela FAO em Roma e Bogotá, bebeu com cara de angelical felicidade e elogiou fortemente as virtudes da poção, como bom Chefe de Gabinete. Deparando com aquele líquido oleoso, deixei o cálice atrás da minha pasta e o esqueci. A Supervisora era brilhante, bem treinada pela equipe da Ely Schultz e dedicada ao trabalho – o MOBRAL ia muito bem em Mimoso do Sul. Mas eu decepcionei. Após as despedidas, o cálice que jazia atrás da poltrona não escapou ao olhar atento do irmãozinho da Supervisora que, em sua inocência implacável, gritou em alto e bom som, quando eu saía de fininho: “olha lá, ele não bebeu o licor!” Não tive saída: de um gole cumpri meu dever. Logo eu, abstêmio convicto, agora absolvido pelos cientistas que descobriram a explicação para meu sofrimento com o álcool (nas variantes dos genes ADH2 e ALDH2). A “gozação” do Marcos Candau e aquele gosto adocicado me perseguiram pelo resto do dia...
7 de mai. de 2009
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Ólá Arlindo, comecei a ler o seu texto e já nas primeiras linhas pensei estar lendo uma crônica sobre o cotidiano carioca, mais especificamente, uma crônica de um carioca, cuja praia sempre me pareceu fazer parte de sua vida de atleta do volei. Pensei que era uma crônica sobre um jovem que gostava de praia. E logo fiquei curiosa para saber quem seria aquele personagem e o que iria lhe acontecer.
ResponderExcluirAlgumas linhas a mais e a leveza do texto acabou dando lugar à preocupação. Uma preocupação da educadora que existe em mim e que ainda acredita que a educação e a frequência à escola podem fazer diferença na vida das crianças e dos jovens.
Li sobre a proposta do MEC para o Ensino Médio e tirando os 20% que o aluno vai poder escolher para compor seu currículo, não consegui ver grandes mudanças, pois creio que a legislação atual já permite tal reorganização. Além disso, basta ler os PCNs e as idéias relacionadas às grandes áreas temáticas já estão por lá também. Agora o que ninguém diz é quais serão as estratégias, por exemplo, para resolver a falta de professores que vem afetando o Ensino Médio há muito tempo.
Há uns dois anos atrás, participei de um encontro na UFRJ e uma das questões era sobre a falta de candidatos às Licenciaturas de Física e Química, o que certamente afeta - e muito - o Ensino Médio. A falta de valorização da carreira do magistério, sem dúvida, era a causa mais apontada pelos participantes daquele evento.
Mudar o currículo tem sido a solução mais comum quando se deseja fazer algo pela educação, mas nem sempre esse é o caminho. Há muitas outras dimensões que precisam ser cuidadas. Soluções parciais não vão dar conta. Pensar apenas em mudanças curriculares é pouco para o tamanho do problema. Bem acho que ainda vamos ter muito para trocar, se quisermos continuar essa conversa sobre o Ensino Médio, mas confesso que gostei do rumo que seu texto tomou, pois tive a possiblidade de voltar no tempo e fazer memória de uma experiência que foi muito importante e rica para mim.
Certamente todos nós que integramos a equipe do Mobral temos muitas histórias para contar. Histórias repletas de curiosidades, mas também de muito aprendizado. Histórias que eu mesma vivi e que me permitem dizer hoje que eu conheço um bom pedaço do Brasil,da alma e da criatividade de sua gente.
Fico feliz que você esteja enriquecendo o seu blog contando essas histórias. Elas acabam provocando nossa memória e mais do que isso acrescentam "sabor" às suas reflexões, principalmente sobre o tema da educação e tornam evidente que para lidar com o assunto, além de toda competência técnica é preciso também ter sensibilidade para "olhar" o outro no seu próprio contexto e aprender com ele.
Um grande abraço, Adélia
P.S. vou dormir revirando a minha memória, buscando lembrar histórias curiosas que vivi no Mobral para partilhar com você, quem sabe assim recuperamos coisas, situações, pessoas interessantes daquele tempo. Sem nostalgia é claro, porque a vida anda e o mundo mudou/muda mais rápido do que eu mesma possa imaginar.
Oi Arlindo
ResponderExcluirExcelente as suas colocações.
Esse problema de cotas tem que ser mais discutido, pois acredito que esse recurso, que tenta encobrir as deficiências que vc muito bem apontou, deve ser temporário.O que importa mesmo é o aprimoramento do nosso ensino público que consta de todas as promessas de políticos, mas difícil de serem concretizadas.
Alem das suas considerações, fundamentadas em sua larga experiência, gostei muito do seu lado, digamos, de cronista que não conhecia.
Um abraço,
Ronaldo
Caros amigos Adélia e Ronaldo: obrigado pelos comentários, sempre pertinentes e que me incentivam a prosseguir. Nosso professorado é a chave da solução. Mas os docentes não têm incentivos na carreira, seus salários são baixos e atuam em um sistema educacional deficiente - e agora soma-se a violência. É urgente partir esse círculo vicioso,mas necessita-se de know-how e vontade política. Os professores deveriam estar entre os profissionais mais competentes do País. Arlindo Lopes Corrêa
ResponderExcluirRECORDO AINDA
ResponderExcluirRecordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
Mario Quintana
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/cultura/cartaz_knispel.gif
Gershon Knispel
Cara Gilda Arantes: estou velho mas já fui jovem e a mim se aplicava melhor GUERRA JUNQUEIRO:
ResponderExcluirÓ Senhor tão novo, d'olhos côr de esp'rança,
Ides de caminho para algum logar?
Ides de caminho para algum logar?
Penas e misérias é o que ireis achar!
Ó Senhor tão novo, d'olhos inocentes,
Ides com cuidados para um tal andar!
Ides com cuidados para um tal andar!
Os dragões ferozes vam-no espostejar!
Ó Senhor tão novo, d'olhos encantados,
Ides pela fresca para algum pomar?
Ides pela fresca para algum pomar?
Feiticeiros negros vam-no enfeitiçar!
Ó Senhor tão novo, d'olhos tão brilhantes,
Vossos olhos disem que ides p'ra casar...
Vossos olhos disem que ides p'ra casar...
Ha ladrões nos bosques, vam-no assassinar!
Vou dar volta ao mundo,
prender monstros,
combater serpentes,
vou-me a ler destinos,
descobrir os fados,
fabricar diamantes,
Vou fazer tesoiros,
descobrir mundos,
quero glória e fama
e glória e fama...
E assim foi, cara Gilda.
Arlindo Lopes Corrêa