31 de mar. de 2009

EMPREGO E CRISE NO BRASIL

O atual problema de desemprego no Brasil é muito mais grave do que tem sido divulgado. Para avaliá-lo corretamente, deve-se entender que a economia brasileira precisa não só conservar os postos de trabalho já existentes, mas também criar cerca de 1,6 milhão de novos empregos formais anualmente, para atender às necessidades de desenvolvimento e prover ocupação para nossos jovens.
A fonte estatística mais adequada para analisar o emprego no Brasil atualmente é o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), cujos resultados o Ministério do Trabalho publica mensalmente, com base em formulários enviados obrigatoriamente por todos os estabelecimentos do País que demitam ou admitam trabalhadores formais no mês do levantamento. O CAGED mostra que desde o início da crise até agora, entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009, o Brasil perdeu 726 mil empregos formais. Em vez de destruir essa quantidade assustadora de postos de trabalho, nesse mesmo período nosso setor produtivo deveria ter gerado 360 mil novos empregos, como nos anos anteriores. Portanto, a crise já nos custou 1 milhão e 100 mil postos de trabalho - a soma dos empregos que desapareceram com os que deixaram de ser criados. Esse dado não chegou à mídia.
O IBGE também levanta estatísticas de mercado de trabalho em sua Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada por amostragem e apenas em domicílios das seis principais Regiões Metropolitanas do País. A PME mostrou em fevereiro de 2009 uma desocupação de 8,5%. Essa taxa é alta mas ainda ilusória, pois a pesquisa considera como ocupados também os informais, mesmo que suas condições de salário e trabalho sejam muito desfavoráveis; além disso, não abrange alguns locais onde a destruição de empregos em massa está concentrada, como nos setores que produzem alimentos e minerais para exportação.
Em 2004 propus à ONU, através da Secretaria de Estado de Trabalho e Renda do Rio de Janeiro, a inclusão da taxa de desemprego no cálculo do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A desocupação, especialmente a de longa duração, arruina a autoestima e a saúde mental das pessoas. É concentradora de renda, ao deprimir fortemente os ganhos do trabalho. As pessoas resignam-se a atividades com baixa remuneração e em quaisquer condições, fazendo crescer o trabalho precário e suas expressões mais aviltantes – o trabalho infantil e o trabalho escravo. O IDH está incompleto ao não considerar o desemprego – fator de infelicidade tão cruel que tira do ser humano a sua única possibilidade de sobreviver com dignidade, às custas da “venda” de seu trabalho.
A OIT estima que o desemprego mundial vai explodir e haverá um acréscimo de 50 milhões de desocupados a curto prazo, esperando-se um longo período de recessão no mercado de trabalho. Nas crises globais anteriores houve um intervalo de 4 a 5 anos após a retomada econômica até que o emprego se restabelecesse.
O Governo Federal está depositando grandes esperanças de recuperação de empregos através de seu plano para edificar 1 milhão de habitações. Quando dirigi o Setor de Educação e Mão de Obra do Ministério do Planejamento, entre 1965 e 1972, pude dedicar meus esforços principalmente à Educação porque a taxa de desemprego no Brasil permaneceu muito baixa, graças, em parte, aos grandes investimentos do Banco Nacional da Habitação (BNH), criado no Governo Castello Branco. Mas não foi só isso: o Governo Federal cobriu nosso território de estradas; erigiu hidrelétricas que fazem da nossa matriz energética um exemplo mundial; reaparelhou portos. Dotou o Brasil de uma infraestrutura que utilizamos até hoje. Essas obras públicas de grande porte dos anos 60 e 70 foram notáveis geradoras de empregos. O Governo Federal deve reduzir suas despesas correntes – improdutivas e visivelmente exageradas - para com as respectivas economias investir pesado em infraestrutura (saneamento e transportes, principalmente). Inclusive para tornar funcionais as moradias que vai construir para os trabalhadores, as quais devem estar em terrenos salubres e com fácil acesso aos locais de trabalho. Para a reconstrução de nossa infraestrutura deveriam ser desviados também os subsídios que o Governo está concentrando injustificadamente na moribunda indústria automotiva estrangeira instalada no Brasil. Caso contrário, corremos o risco de fabricar veículos de marcas que em breve não existirão, para rodar em estradas e ruas congestionadas nas quais já não cabe nem a nossa frota atual.

19 de mar. de 2009

EDUCAÇÃO E ACORDO ORTOGRÁFICO

Pertencer a uma comunidade linguística com 240 milhões de falantes (quase 4% da população mundial), caso dos oito países que têm o Português como idioma oficial, é uma dádiva nada desprezível neste mundo globalizado. Mas é necessário trabalhar sobre essa vantagem comparativa potencial, em princípio meramente demográfica, de modo a extrair-lhe as consequências práticas desejadas. Nesse sentido, os aspectos qualitativos do relacionamento das nações e povos envolvidos serão determinantes: é indispensável que as populações lusófonas se conheçam muito bem, mantenham amplas relações de troca, cultivem o respeito mútuo e se sintam irmanadas na busca de alguns objetivos comuns.
A implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa oferece uma oportunidade única para que deixemos de constituir uma comunidade que - apesar de todos os esforços - existe apenas na retórica das reuniões internacionais. Comunidade cuja consistência não resiste a uma análise mais profunda, pois seus povos se ignoram.
Para alcançar os ideais comunitários da lusofonia, o grande veículo deverá ser o sistema educacional – aliás um ponto fraco comum aos nossos países. Em meu entendimento é viável desenvolver um tipo decisivo de ação em favor do Acordo que trará concomitantemente inegáveis benefícios tanto para o sistema educacional brasileiro – reconhecido em sua debilidade e distante do atingimento de seus objetivos qualitativos - quanto para o ensino dos demais parceiros lusófonos. Sugestão que aliás já dei a alguns Municípios do Estado do Rio de Janeiro, logo após a posse dos atuais Prefeitos.
A ideia seria, ainda neste ano letivo, mobilizar todas as escolas brasileiras em que haja computadores e INTERNET banda larga disponíveis, para que os alunos, estimulados e orientados por seus professores, estabeleçam contacto sistemático e duradouro com estudantes dos demais países de língua portuguesa, utilizando-se dos diversos meios disponíveis na rede. E isso deve inicialmente ser feito de forma lúdica, motivadora, aproveitando que os jovens, normalmente curiosos, serão seduzidos pelo conhecimento desses novos interlocutores tão distantes, na África, Europa e Ásia. Nesses contactos, tudo será novidade para os estudantes e espaço fértil para a ampliação de seus conhecimentos. Tanto as diferenças - de fuso horário, escrita, pronúncia, músicas preferidas, roupas, moedas etc - quanto as semelhanças - descobertas naturalmente e às vezes surpreendentes - irão cimentando a simpatia mútua e fortalecendo a solidariedade comunitária.
Esse intercâmbio seria um momento propício para que os professores, adequadamente treinados, estimulassem os alunos a um aprendizado altamente enriquecedor de História, Geografia e, claro, de Português, com ênfase no Acordo Ortográfico e na utilização da norma culta. Entendendo as raízes comuns e diversidades de nossos povos e países, as gerações mais jovens consolidarão naturalmente a comunidade lusófona em poucos anos.
O sucesso na implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é da mais alta importância para facilitar o desenvolvimento dos países da comunidade. A Academia Brasileira de Letras está fazendo sua parte e lançando o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), instrumento básico para a concretização do Acordo, tarefa que deve ser anseio e meta de todos os cidadãos brasileiros. É necessário relevar os eventuais inconvenientes de sua adoção e reconhecer que na decisão de implementá-lo, a partir de 1º de janeiro de 2009, prevaleceu acertadamente a visão de Estado, abrangente, essencialmente geopolítica, visando enfrentar os desafios da globalização.
Os especialistas acreditam que 3.500 línguas desaparecerão nos próximos 50 anos, seus falantes sendo cooptados por idiomas mais poderosos como Inglês, Espanhol, Hindi ou Swahili. A implementação do Acordo talvez possibilite que o Português alcance no futuro esse status de prestígio. Não para absorver ou cooptar comunidades falantes de línguas de menor curso, como as dos índios que vivem em nosso território, pois esse processo é sempre lamentável e uma perda para a Humanidade. A unificação da nossa escrita é indispensável, isto sim, para que o Português se torne idioma oficial no Sistema das Nações Unidas, tenha maior peso (e trânsito) na INTERNET e propicie outras vantagens importantes aos nossos países, gerando benefícios no comércio externo, na atração do investimento estrangeiro, na expansão das indústrias culturais (literatura, música, teatro, televisão...) e em diversos outros aspectos sócio-político-econômicos. Reforçar a posição do Português deve ser objetivo nacional permanente.
Às vezes, porém, uma boa ideia esbarra na dificuldade de concretizá-la e esse poderá ser o caso. O envolvimento dos estudantes, começando pelo diálogo entre brasileiros e portugueses, deve ser imediato. O Ministro da Cultura de Portugal quer a aplicação efetiva do Acordo Ortográfico, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2010, dando uma demonstração de boa vontade de seu Governo, já que anteriormente previa-se um prazo de seis anos para tal aplicação. Isso significa que não haverá qualquer obstáculo oficial às iniciativas que nossas escolas tomem no sentido estabelecer esse intercâmbio com Portugal onde, aliás, todos os alunos estarão em breve utilizando em seu trabalho estudantil um computador portátil de baixo custo (denominado Magalhães), o que facilitará o diálogo pretendido. Os estudantes dos demais países lusófonos devem ser também contactados neste ano letivo, na medida de suas possibilidades tecnológicas, participando ativamente no grande diálogo da língua portuguesa, criador do espaço de real integração comunitária lusófona.