27 de abr. de 2009

EDUCAÇÃO ENGESSADA

1. Será o conceito de “carreira profissional” (ainda) necessário ? Desde a Reforma Universitária de 1968, que instituiu o regime de créditos no ensino superior brasileiro, aquele conceito perdeu funcionalidade. Mantê-lo obsta a flexibilização e dinamização da Universidade.
E o diploma, tal como o conhecemos ? Habilitando para uma profissão que hoje sempre admite inúmeras especializações e variantes, o diploma clássico se transformou em um genérico quase inócuo. Na concepção de uma Universidade moderna, os estudantes deveriam escolher livremente os créditos que desejassem cursar e de seus diplomas constariam os créditos cursados com aproveitamento adequado. Especificar uma carreira geralmente seria problemático, pois o número de combinações possíveis tenderia para infinito e a menção a uma profissão determinada não refletiria a realidade da vida acadêmica do aluno. O mercado de trabalho faria a seleção dos profissionais de acordo com suas competências, conhecimentos e habilidades (aliás, na prática dos empregos de qualidade, é o que ocorre). Elegendo livremente seus créditos, os alunos estudariam com maior motivação – que é um dos fatores mais importantes para o sucesso acadêmico. Com a atual rigidez, também a Universidade perde a riqueza da diversidade que teoricamente seria seu grande trunfo. É como se você entrasse em um restaurante a quilo, com um bufê maravilhoso e muito variado, mas tivesse permanentemente a seu lado um garçom que não deixaria que você se servisse de certas iguarias de seu agrado. Como seria bom para o Brasil ter mais advogados que soubessem Matemática e médicos que conhecessem Estatística. Eletricidade e Resistência dos Materiais ! Como está, nosso sistema educacional não incentiva a formação diversificada dos estudantes, exatamente aquela que conduz à inovação, ao exercício da criatividade. Claro que muitos invocarão a necessidade de tratamento especial para certas profissões. Essas cautelas compreensíveis - com segurança, ética, licitude etc - podem ser tratadas no âmbito das Ordens e dos Conselhos Profissionais. Quando participei da Reforma Universitária de 1968, na chefia do Setor de Educação do IPEA, defendi essa idéia, lá se vão 40 anos. Persisto, porque o cartorialismo brasileiro é fator de atraso.
No meu tempo de jovem, o diploma era um problema porque havia tão poucas profissões que, se o desvio ocupacional fosse fortemente coibido, não teríamos como suprir o leque das inúmeras ocupações existentes no florescente parque produtivo brasileiro. Nossa economia estagnaria. Recordo-me que minha turma - que se formou em Engenharia no Largo de São Francisco, em 1960 - deu excelentes engenheiros mas também alguns dos melhores cineastas brasileiros, um Governador, banqueiros, economistas, pesquisadores, educadores, capitães da indústria etc. Gente que teve sucesso e deu enorme contribuição ao País. Importante, no caso, é que esse grupo teve uma formação básica de excepcional qualidade.
Hoje, o diploma ainda é um problema, pelo motivo inverso – a proliferação incontrolável e incessante, no mundo real, de uma infinidade de novas ocupações que nem a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) do Ministério do Trabalho consegue acompanhar direito em suas sucessivas edições. A regulamentação das profissões e seus monopólios funcionais não evitam erros médicos, chicanas jurídicas e muito menos pirâmides que sugam as economias dos investidores incautos. Essencial mesmo é ter uma educação de qualidade. O resto é detalhe...
2. O MOBRAL já admitia funcionários com necessidades especiais no início dos anos 70. Práticas de um órgão inovador. Geraldão era um gigante de quase dois metros, com alma de criança. Segundo meu assessor Roberto Gürsching, exercia no MOBRAL a função de “especialista em manobras de peso”. Ou seja, carregava tudo que os outros não tinham força para aguentar. Um dia, no início de 1974, me encontrou no pátio e falou: “Arlindo, você agora é o Presidente do MOBRAL, né ? Eu soube que o Simas (sic) foi criar boi... “ E diante de meu ar inquisitivo, acrescentou: “me disseram que o Simas foi pra fazenda”. Mario Henrique Simonsen, o tal Simas que o Geraldão tratava com essa intimidade mesmo, tinha sido nomeado Ministro da Fazenda e eu fui seu substituto na Presidência do MOBRAL... Geraldão, na sua ingenuidade, tinha razão, porque o novo trabalho de Simonsen era mesmo uma ”tourada”.
3. Temporão:“Que vem ou acontece fora da época apropriada; EXTEMPORÂNEO; SERÓDIO; TARDIO.” O Caldas Aulete não falha...
Tempo 1: vi e ouvi o Ministro da Saúde declarar na TV, em cadeia nacional, que já havia cortado de seu cardápio inúmeros alimentos, por estarem supercontaminados por agrotóxicos. E parou por aí... Fica Sua Excelência a nos dever a lista desses alimentos “não ministeriáveis” para que nós, pobres mortais, também possamos evitá-los. E quem sabe se o Ministro pode tomar rapidamente as medidas legais para coíbir essa prática lesiva à saúde do povo... Tempo 2: nestes tempos de globalização, avião a jato, computador e TV via satélite, nada mais extemporâneo do que a ação do Ministério da Saúde em relação à gripe suína. A concepção, impressão e distribuição de um panfleto esclarecedor nos principais aeroportos do Brasil não poderia consumir, nessa emergência, mais do que seis horas...

3 comentários:

  1. Oi, tio,
    Você tem toda razão: os diplomas devem se adaptar às novas exigências do mercado de trabalho, sem abrir mão de um conteúdo mínimo indispensável àquela "carreira". A UFMG, por exemplo, aderiu à flexibilização curricular já há algum tempo. Nas Ciências Sociais, curso de graduação da qual sou sub-coordenadora, o(a) aluno(a) tem um número de créditos de disciplinas optativas que podem se transformar em formação complementar. Por exemplo, digamos que alguém tenha interesse em educação. Então, além de cursar sociologia da educação, esta pessoa pode fazer economia da educação, demografia da educação, várias disciplinas na Faculdade de Educação, e por aí vai.
    Um beijo,
    Paula

    ResponderExcluir
  2. Querida Paula: sua UFMG está mais do que certa. Parabéns. Tio Arlindo

    ResponderExcluir
  3. Arlindo,
    Parabéns pelo blog. Está melhorando a cada dia. Mas blogueiro que se preze, escreve diariamente. Mãos à obra!
    Bem lembrada a história do Geraldão. Encontrei-me há poucos meses com o Marco Antônio e rimos muito lembrando de sua famosa queda de braço com o Geraldão, que terminou "empatada". Em sua especialidade - manobras de peso - Geraldão era extremamente competente e resolvia com rapidez tudo o que lhe era solicitado.
    Já o Temporão, é um Ministro na medida certa para um governo medíocre e incompetente.
    Abs
    Marcos

    ResponderExcluir