3 de nov. de 2009

EDUCAÇÃO, ESPORTE, SUSTENTABILIDADE

1 GARGALO QUALITATIVO - As deficiências qualitativas da educação básica brasileira não se restringem às escolas públicas. Tal fato fica bem claro na matéria da revista VEJA RIO desta semana, que mostra a árdua e precoce competição que crianças e adolescentes enfrentam, disputando uma vaga nos estabelecimentos de ensino cariocas identificados como de melhor qualidade pelos seus pais. Claro que esse fato poderia ser considerado natural nos poucos educandários gratuitos de bom nível, como os Colégios de Aplicação mantidos pela UERJ e UFRJ, mas na rede particular, em que a mensalidade é sempre superior a 500 dólares, a procura desenfreada mostra a lamentável escassez do ensino de qualidade. Temo também que muitos pais, ao terem seus filhos reprovados nesses “vestibulinhos”, reajam negativamente em face do insucesso e acabem por traumatizar os pequenos estudantes. Aliás, tive essa experiência, que explicarei a seguir, mas sem maiores consequências. Essa conjuntura, por outro lado, mostra a conscientização das classes médias cariocas acerca da importância da educação na determinação do futuro de seus filhos, o que infelizmente é uma aspiração ainda rara nas camadas sociais mais carentes, que por enquanto lutam apenas pela simples sobrevivência, já massacradas cotidianamente pela ineficácia do SUS, do transporte e da segurança pública. Se estivessem conscientes de como a escola pública brasileira de má qualidade sonega oportunidades de um futuro melhor a seus filhos, certamente teríamos uma seleção mais acurada dentre os candidatos nas eleições brasileiras. Reformar a educação pública dá trabalho e exige conhecimento e renúncia ao aplauso fácil, sendo preciso contrariar interesses e enfrentar a impopularidade. Não é coisa para políticos e sim para estadistas...
2. SELETIVIDADE NA EDUCAÇÃO - Minha ampla casa na Rua Visconde de Pirajá 302 era gêmea da casa ao lado, onde funcionava o Colégio Bernadette, cuja Diretora, D. Iracema, muito católica, com seus óculos grossos, claudicante, andando sempre amparada pelas sobrinhas, parecia muito enérgica, como se exigia na pedagogia de então. O Bernardette oferecia curso primário e jardim de infância. Eu costumava subir em um banquinho e ver as crianças brincando no recreio, com muita inveja, talvez por ser filho único, solitário. Mas nunca estudei lá. Quando chegou a hora, em 1944, meus pais me inscreveram no Henrique Dodsworth, escola pública no Jardim de Alah, de bom nível pedagógico, frequentado pelos filhos das famílias de classe média alta de Ipanema - autoridades, funcionários públicos civis e militares. Era muito comum que algumas escolas públicas de bairros ascendentes do Rio de Janeiro – então a Capital da República - tivessem um nível qualitativo excelente, pois iriam servir às elites e as professoras, além de bem remuneradas, eram cuidadosamente selecionadas, muito competentes e dedicadas. E é por esse motivo que alguns saudosistas costumam lembrar da velha escola pública de qualidade, como se ela fosse regra geral. Doce engano! Existiam realmente essas escolas, de qualidade, nos meios urbanos mais desenvolvidos, mas eram pouquíssimas e extremamente seletivas, como o ensino brasileiro em geral, naquela época. Resultado: aquela escola – naquela maravilha que era o Jardim de Alah de outrora - não era para mim, filho de imigrantes apenas remediados. Taxado de “imaturo”, fui reprovado no teste que se aplicava aos candidatos à entrada no primeiro ano primário. Presumo que se tratasse do Teste de Gille, que teoricamente mediria a prontidão para a alfabetização naquele minivestibular. O resultado fora mais ou menos óbvio, pois eu jamais estudara no jardim de infância – afinal não frequentara nem o obstetra - regra geral entre as crianças que não pertenciam às famílias da elite. Meus pais não deram muita importância ao fato e me matricularam no Colégio Fontainha, particular e de bom nível, que ficava na Praça General Osório. Os outros colégios privados de Ipanema eram o Silva Mendes, na Visconde, o Guanabara na Prudente de Morais em frente à Praça General Osório, o Mello e Souza feminino na Rua Teixeira de Melo, o Rio de Janeiro no Bar Vinte e os dois femininos católicos: o São Paulo, na Vieira Souto e o Notre Dame na Barão da Torre. No Fontainha, aprendi a ler em dois meses e fui em frente. Talvez eu tenha sido salvo por aquele teste, que a classe média, bem informada, comprava na papelaria para treinar seus filhos, enquanto que os “garotos da rua” - como eu - eram trucidados naquela “provinha” bastante discriminatória. Anos mais tarde, entusiasmada com meus resultados escolares no Fontainha e depois no Mello e Souza, minha mãe costumava comentar que afinal, felizmente, os professores do Henrique Dodsworth tinham se enganado...
3. V JOGOS MUNDIAIS MILITARES - Dentre os megaeventos esportivos que ocorrerão no Rio de Janeiro, na década próxima, os primeiros serão os V Jogos Mundiais Militares, em julho de 2011, reunindo cerca de 100 países. O Rio foi escolhido para sediá-los principalmente pelo fato de já ter as instalações esportivas necessárias para sua realização, graças ao que foi construído para o PAN. Eis aí, portanto, para os polemistas, um indiscutível exemplo de legado do PAN. Os Jogos Militares reunirão cerca de 7 mil participantes, disputando 21 modalidades esportivas: Atletismo; Basquetebol; Boxe; Cross Country; Equitação; Esgrima; Futebol; Futebol de Salão (demonstração); Handebol Judô; Natação; Orientação; Pentatlo Aeronáutico; Pentatlo Militar; Pentatlo Moderno; Pentatlo Naval; - Pára-Quedismo; Tiro; Triatlo; Voleibol; e Voleibol de praia (demonstração). Efetuados a cada quatro anos, os Jogos Mundiais Militares foram criados pelo CISM (Conseil International du Sport Militaire), órgão instituído logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1948. A CDMB (Comissão Desportiva Militar do Brasil), institucionalizada em 1956, representa o Brasil junto ao CISM. Comecei a ouvir falar do CISM e da CDMB no final da década dos 60, quando chamei o Comandante Lamartine Pereira da Costa para trabalhar comigo no IPEA e elaborar o I Diagnóstico de Educação Física e Esportes de nosso País. Quando da realização dos Jogos Militares poderemos, certamente, tirar lições importantíssimas para as Olimpíadas sobre o quesito Segurança, no qual seus organizadores são mestres incontestáveis.
4. SUSTENTABILIDADE - O Wall Steet Journal mostra na edição de hoje (3/10) que a criação de animais gera nos EEUU, a cada ano, 500 milhões de toneladas de excrementos, o triplo dos dejetos dos seres humanos no País. Parte desse material vai parar, sem tratamento, em rios, lagos e no mar. Entre outros elementos, estão presentes nesse material o nitrogênio e o fósforo, causando o surgimento de algas que vão roubar o oxigênio da água. Em muitos casos, estão também contaminados com E. coli e outras bactérias que ameaçam a saúde humana. Brutal problema ambiental, que no Brasil é multiplicado várias vezes - somos hoje os maiores produtores de carnes do planeta. Ao final de minha gestão no MOBRAL estávamos tentando, juntamente com o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPQM), dirigido pelo genial Almirante Paulo de Castro Moreira da Silva, implantar projeto visando disseminar o uso rural do biodigestor, capaz de gerar energia e fabricar adubo a partir das fezes animais e outros resíduos da atividade agrícola. Não houve tempo, mas muita coisa foi feita em favor do meio ambiente pelo Programa Tecnologia da Escassez do MOBRAL, competentemente gerenciado por Marlise Simyse Moreira Salles, auxiliada por pessoal de excelente nível como Vitório Mendes de Moraes, Regina Avelar, Tatiana Stepanenko, os designers Cleomar e Miro. No âmbito desse trabalho, promovemos o Concurso Transformação, em que nossos alunos foram chamados a mostrar o aproveitamento artístico e utilitário de resíduos, refugos, sucatas e matérias-primas abundantes e de custo irrisório. Em convênio com o Banco Nacional de Habitação (BNH), criamos o Balcão de Idéias, para apresentação, pela clientela do MOBRAL, de técnicas de construção destinadas a baratear a moradia popular. Há trinta anos...reafirmando o pioneirismo do MOBRAL.

9 comentários:

  1. Arlindo
    Não gosto do gerúndio.Existe algo nele embutido como uma desculpa para o tempo passar e nada ser feito em relaçao ao ensino público.Falta de vontade política.
    Você apresenta o trabalho do Mobral. Ele é simples e limpo. Daria perfeitamente para ser hoje reaproveitado - e não é.
    Cada dono da posição quer inventar algo novo.Que carimbe seu nome.-Quanto mais complicado melhor. - nem eles entendem e nem podem entender, pois não existe "sustânça"


    Tenho um relato que criou dificuldade e falta de interesse na época de minha pós-alfabetização.
    -Iniciei o primário no Mello e Souza,na Xavier da Silveira (local que mais tarde foi meu Clássico)- eu tinha 5 anos e no final do ano já sabia ler e escrever- e vida que segue- o feminino
    no ano seguinte passou para Teixeira de Melo. Questão absurda, uma lei me obrigava a repetir o 1ºano primário - teria que cursá-lo
    com 6 anos?? - A professora Dona Odete, percebeu , mas era lei...Pequeno acontecimento, mas que me deixou um tempo sem vontade de estudar.Colégio excelente me fez uma bela plástica didática e lá foi thereza...


    O texto último, me fez reviver-" A insustentavel leveza do ser" de Milan Kundera. Reli /e nada mais apresenta que a possível transformação dos indivíduos, através da "criação de um Balcão de
    Idéias" é só acreditar e ter responsabilidade- com a vida. Você treinou o time .O time era de feras, suas feras e o Brasil venceu
    é só/ um dia nossa Educação vencerá ,tal queremos e lutamos. Thereza


    é só - Thereza

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  2. Este diagnóstico realizado pelo Lamartine teve consequências práticas? Como posso adquirir um exemplar?
    Roberto Pimentel.

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  3. Meu caro Arlindo
    Muito boas suas considerações sobre as escolas públicas do Rio, enquanto capital federal.Interessantes as recordações sobre a Ipanema da nossa infância. Em 1944, o Colégio Notre Dame ainda era misto. Cursei lá os dois anos iniciais do primário (1944/5). No final de 1945, fui, por assim dizer, expulso,em face da exclusividade feminina, transferindo-me para o nosso saudoso Mello e Souza, em 1946 (3º primário).
    Um grande abraço do Carlos Roberto

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  4. Agradeço os comentários e enfatizo a correção do Carlos Roberto, muito curiosa, sobre o fato de que o Notre Dame foi misto no seu início, provavelmente porque sendo Ipanema um bairro novo, pouco habitado, era necessário abrir para ambos os sexos de modo a assegurar uma procura razoável por matrículas. Eu desconhecia totalmente esse fato, daí a vantagem do blog aberto, que permite feedback e aperfeiçoamento. Quanto ao formalismo de ter que cursar a primeira série apesar de já alfabetizada, cara Thereza, esse é um problema crônico da educação brasileira que detesta a mudança, mesmo quando está trilhando caminhos nitidamente equivocados. Além do mais a educação brasileira incorre em outro erro crasso: pouco lhe importa onde o estudante chega e sim o caminho percorrido - e esse foi o seu caso...Quanto ao Diagnóstico, caro Roberto, seu objetivo era dar a conhecer como estava o setor de educação física e desportos no Brasil e com sua publicação e difusão a meta foi alcançada. Arlindo

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  5. OI Arlindo

    Eu gosto muito quando você faz memória e escreve sobre sua infância e juventude. Embora bem mais moço, você faz lembrar as histórias que a mamãe contava, principalmete sobre Ipanema.

    Fico muito tentada a retomar a ideia de um livro sobre o bairro, pois embora já existam outros, "aquela" sua ideia era genial e merecia ser desenvolvida.

    Muitos Abraços, Adélia

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  6. Adélia: bem que o livro sobre Ipanema deveria ser feito logo, pois as fontes mais antigas estão se perdendo, como a sua mãe, o Kalil, o meu querido João Luiz Campos Soares e outros. Mas o problema é a verba para sua realização. Abraços. Arlindo

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  7. Caro Arlindo,
    Bem sabe que escrevi um livro que retrata momentos de minha infância na doce e bucólica Villa Pereira Carneiro, em Niterói. Saiba que até o Bené esteve por lá realizando seus treinos numa pequena quadra de cimento em 1951. Foi quando o conheci, tinha 11 anos de idade. Durante 6 anos realizei pesquisas, entrevistei centenas de pessoas com mais de 80 anos, muitas delas morreram antes que publicasse o livro. Então, para escrever basta começar, a verba aparecerá mais adiante. Aliás, existem muitas facilidades atuais que permitem editar poucos livros e vendê-los sob encomenda. Se precisar de ajuda, diga-me.
    Roberto Pimentel.

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  8. Obrigado Roberto. Existem muitos livros sobre o lado boêmio de Ipanema, porque isso vende: Tom, Leila Diniz, Banda de Ipanema etc. Uma antologia que eu denominaria de "IPANEMA DE PORRE". Mas as famílias que fizeram Ipanema, essas jamais foram retratadas. Vamos conversar para você me ensinar o mapa da mina... Abraços. Arlindo

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  9. Em conversa com meu amigo Carlos Eduardo da Silva Pinto lembramos que existiu um outro estabelecimento de ensino em Ipanema, em nossos tempos de criança, que omiti no blog. Foi o SOLARIUM, Jardim de Infância e Curso Primário de orientação alemã, situado na esquina de Vieira Souto com Henrique Dumont, que tinha uma bela piscina que podia ser vista (e invejada) da rua. O SOLARIUM fechou quando sobreveio a II Guerra Mundial. Arlindo Lopes Corrêa

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