20 de out. de 2009

DIA DO PROFESSOR NO BRASIL

1. Maria de Souza tinha muito o que dizer sobre a vida e o amor, mas sua alma poética estava aprisionada pelas circunstâncias existenciais. Itamar Ribeiro da Silva era um jovem sonhador, queria ir para a cidade grande, mas precisava saber mais. Osmarina Silva via com tristeza a destruição da floresta grande e queria defendê-la, mas faltavam-lhe vez e voz.
2. Um dia chegou em suas vidas aquela pessoa amiga, de fala fácil, que morava ali ao lado, convidando para a aventura do saber, para conhecer o mundo lá fora. Era o alfabetizador com suas novidades: MOBRAL, primeiras letras e muito mais... Agente mais próximo do povo, que ia procurar os necessitados e convencê-los a frequentar as classes, para depois caminhar com eles na árdua estrada do conhecimento, o alfabetizador era a personificação da solidariedade humana, que trabalhava por uma modesta ajuda de custo, prestando grandes serviços ao Brasil. E que promoveu o milagre da transformação!
3. Maria de Souza virou poetisa e publicou seu primeiro livro em 1976. Itamar foi para o Rio e é um dos Gerentes do Chaika de Ipanema. Osmarina Silva foi Ministra do Meio Ambiente e é candidata à Presidência da República. Foram alfabetizados no MOBRAL.
4. Só para exemplificar a grandeza dessa gente, a alfabetizadora de Marina lhe disse um dia, lá pelo terceiro mês do curso de alfabetização: “você aprende rápido, vai amanhã mesmo para a Educação Integrada, o curso primário do MOBRAL”. Bem treinada, usando da flexibilidade que o MOBRAL permitia, foi decisiva, abreviando a caminhada da aluna e motivando-a a voos amplos.
5. Assim eram e assim foram sempre para mim, nos nove anos em que dirigi o MOBRAL: os construtores daquela base sólida de nossa educação continuada, nos quais depositamos nossa total confiança, nunca desmerecida. Nos tempos de maior atividade da instituição, chegaram a ser 150 mil a cada semestre, cobrindo o extenso território brasileiro com uma capilaridade jamais atingida por qualquer outra instituição pública. Mesmo nessa proporção gigantesca, jamais tive notícia de qualquer problema com esse imenso contingente humano.
6. José Trabulsi exerceu várias atividades no MOBRAL lá no interior do Maranhão e me escreveu no Dia do Professor, um pouco decepcionado com o que viu e ouviu na mídia: “e isto me levou a pensar sobre os nossos alfabetizadores que estão por aí no anonimato; Foi quando ...... lembrei-me do senhor como a pessoa que comandou a maior rede de professores deste Brasil. Não sei se estou pedindo demais, gostaria que o senhor escrevesse alguma coisa no seu blog, referente a estes desbravadores da educação. Vi também alguma coisa , mostrando uma senhora idosa que estava em uma sala de alfabetização - sei que é o governo, querendo acentuar vantagens para o povo. Quantos milhares de idosos, ainda nos anos 70, colocamos em sala de aula e alfabetizamos - salas de aula em casas de fazer farinha, casas de vacarias, etc, antes sem luz elétrica e apenas lamparinas, fogueiras e fachos de azeites de coco babaçú. Depois o Mobral mandou candeeiros, lampiões a gás; enviou óculos, merenda etc. Sei de tudo porque fazia mobilização, supervisão e implantava salas de aula, como membro da Comissão Municipal e animador. Hoje, quantos advogados, médicos, professores, poetas, escritores, até ministros, passaram pelo Mobral... ”
7. José Trabulsi tem razão. O Dia do Professor me pareceu realmente melancólico, puxando esse enorme contingente profissional para o fundo, negando-lhe o prestígio social que já foi o seu patrimônio mais caro. Começou com a entrevista a VEJA de Martin Carnoy, especialista americano em educação, atirando sobre os ombros do professorado todo o ônus da deficiência de qualidade da educação brasileira. Acusando nossos docentes de falta de qualificação para o magistério, por terem sido doutrinados politicamente em vez de equipados com os conteúdos objetivos que deveriam transmitir a seus alunos - o que não fazem, segundo ele. Culpando-os pela adoção de teorias que recitam sem conhecimento de causa, disfarçando a debilidade de sua formação. Depois, no próprio dia comemorativo, o refrão na mídia foi sempre acerca da baixa qualidade de nossa educação e a responsabilidade dos mestres nesse desastre nacional. Posso concordar com muito do que se diz, mas gostaria de lembrar que embora muito importante, o professor é apenas parte do processo educacional . A educação depende também do próprio aluno (com todas suas deficiências), da gestão de cada escola, das características materiais desse espaço, da administração do sistema como um todo. Assim como o docente é influenciado pelas condições de sua formação escolar, da estruturação da carreira do magistério (salários, progressão profissional, incentivos tangíveis e intangíveis, aposentadoria etc) e pela orientação pedagógica recebida dos escalões superiores (MEC, Secretarias Estaduais e Municipais etc). As culpas devem ser criteriosamente divididas e temos que dar maiores incentivos aos nossos professores, implantar e aplicar-lhes os princípios da meritocracia, aprender com os países vitoriosos no setor educacional. É um problema de salvação nacional...

5 comentários:

  1. Meu caro Arlindo,
    Mais uma vez, muita sensatez e conhecimento de causa na sua ponderação. É muito bom estar com você.
    Quero dizer sobre as atitudes dos indivíduos em geral sobre a forma de encarar dificuldades ou problemas, não importa em que área.

    Meritocracia e incentivo aos professores
    Em determinada época, talvez no início da década de 80, as Escolas de Educação Física foram liberadas dos testes de aptidão motora (e física) por ocasião dos exames vestibulares. Isto me foi dito por um professor (diretor) universitário que, horrorizado, esabafou: “Como posso agora ensinar um acadêmico a executar um toque na bola (de voleibol), se o mesmo nem segurá-la consegue”? Poderia ter-lhe replicado: “Como procederia com uma criança, ou um grupo considerável delas”?
    Ao invés de discussões improdutivas, imagino que cada problema é uma oportunidade de realizarmos uma indagação para incrementarmos um processo de aprendizagem. O desenvolvimento de uma teoria eficaz do “ponto onde o aprendiz está” e a construção de uma “psicologia do assunto” que seja operável representam desafios formidáveis. Especialmente quando se está trabalhando com uma classe grande: “Qual o próximo passo a dar” aparenta ser uma exigência impossível. Você saberia? Aquele professor confessou-me que não e, pior, siquer tentou “descobrir” uma solução. O que teria a ensinar a seus alunos? Quantos assim procedem?
    Hoje infelizmente não temos mais o Mobral, então, acompanhem-me no meu blog e enfrentemos os desafios. Vamos seguir as pegadas deixadas por George Pólya, matemático húngaro, e seu método de aproximação das soluções dos problemas. Entre eles, selecionei o que venho adotando, que é o paradoxo do inventor: “o propósito mais ambicioso é o que tem mais possibilidade de sucesso”.
    Haja criatividade e desprendimento.
    Roberto Pimentel.

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  2. Caro amigo,

    Eu já havia sido privilegiado com o nosso encontro ontem dia 19, encontro no qual o MOBRAL fora o assunto que me deixou maravilhado.Hoje ao ler seu artigo fiquei muito grato por dois motivos. Primeiro pela maneira arrazoada com que você nos defendeu. Nós professores sofremos constantemente a chamada cupabilização da vítima, porque quando não se investe no profissional, em qualquer setor, isto é uma indicação clara de que é dada pouca ou nenhuma importancia social a este profissional, que por sua vez tem a sua auto estima abaixo da sola dos sapatos.Um outro fator é a terceirização das responsabilidades da família, fazendo com que a nossa clase assuma o papel que por natureza pertencem aos pais dos alunos. O segundo motivo meu caro amigo foi ter conhecido um destes heróis, o Itamar, brotado de um trabalho que de tão sério foi ceifado de nossa sociedade.A formula era simples, os multiplicadores eram pessoas que conheciam a comunidade, atuavam com empatia. Me lembro que minha namorada na época hoje minha esposa, com seus 15 anos, menina de classe média alta, lecionava a muitos porteiros e empregadas domésticas na Ipanema dos anos 70. Aquilo era uma autentica revolução, aquilo foi a verdadeira democratização do conhecimento cuja oportunidade de uma mobilidade social vertical foi honestamente oportunizada. Hoje os frutos estão por aí espalhados em todo o Brasil. Por isso amigo, podemos dizer sem esitar que o MOBRAL vive. Assim, estes dois motivos me bastam para que eu nunca me esqueça deste dia do professor.

    Haroldo Ledo.

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  3. Olá Arlindo

    Eu estive viajando e só agora li esse seu texto sobre o professor. Também concordo que não dá para responsabilizar apenas ele pelo fracasso escolar. Concordo também que são muitas as variáveis que interferem no processo de ensino-aprendizagem.

    Entretanto, parece que é mais fácil culpar alguém do que tratar a questão levando em conta toda a sua complexidade. Isso exigiria vontade política e muita competência.

    Eu estou convencida de que, ainda hoje, a escola é fundamental, mesmo diante de tantas outras possibilidades e espaços de aprendizagem Mas também acredito é preciso reinventá-la para dar conta das demandas e/ou exigências das crianças, dos jovens e do mundo atual.

    Contudo, reinventá-la para mim envolve, inclusive, incoporar experiências relevantes já vividas. E, nesse sentido, a experiência do MOBRAL seria um belíssimo exemplo, fonte inspiradora mesmo, na perspectiva de contribuir para essa reinvenção da escola.

    Aproveito para deixar registrado nesse espaço minha homenagem a você pelo dia do mestre, que sempre foi e é para mim um excelente professor.

    Abraços, Adélia

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  4. Grato pelos comentários, caros amigos Adélia Maria, Roberto Pimentel e Haroldo Ledo, todos professores de boa cepa, inovadores, que provam com suas realizações o valor dos docentes brasileiros, quando estão motivados e lhes permitem realizar. Não engulo mais essas avaliações do MEC(parciais, pois não abordam todos os fatores do processo) que são utilizadas de forma irresponsável, para chegar a conclusões que não são fidedignas - pois transcendem de muito os dados obtidos. Procurarei voltar ao assunto e conto com os comentários de vocês. Arlindo Lopes Corrêa

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  5. Arlindo,

    Estou há 10 dias pra escrever meu comentário. Fiquei emocionada com seu texto, pra mim poético e romântico.
    Eu e minhas duas irmãs e mais três gerações de minha família tiveram mestres: meu bisavô paterno, Professor e Doutor João Antônio Coqueiro, que com sua tese de doutourado, realizada na Bélgica no final do século XIX, mudou o sistema métrico no mundo e minha bisavó materna Josefina Pimenta Mourão, professora primária em Diamantina, que teve como seu aluno o Presidente Juscelino Kubitschek.
    Sinto-me orgulhosa de ter podido dar minha contribuição, com seriedade e dedicação, aos projetos sérios e competentes do Mobral.
    Lamento somente não termos mais a oportunidade de efetivamente atuar como "mestres" em educação neste nosso país tão combalido.
    Deixo aqui meu abraço sincero ao meu grande mestre e amigo Arlindo Lopes Corrêa.
    Ana Watson

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