4 de fev. de 2010

LAGOA DOS MEUS VERDES ANOS E EDUCAÇÃO

1.LAGOA REVIGORADA –– A Lagoa Rodrigo de Freitas, no meu tempo de garoto, tinha águas limpas cheias de peixes, manguezais, uma praia, várias ilhotas e muito esporte. Dos dois lados do prolongamento do eixo da Rua Montenegro sobre a Lagoa, entre a água e a calçada, havia uma larga faixa de areia branca, com muitas conchas - mas não tantas que atrapalhassem nossos jogos de futebol, disputados nas manhãs dos fins de semana. Os times eram o meu Grêmio Ipanema (da turma da Alberto de Campos, que eu frequentava), o Nacional ( da garotada da Sadock de Sá e Renato Tavares) e o Superball (da beira da Lagoa, perto da Joana Angélica, onde morava a família Moreira Leite, dona do time). Jogava-se também voleibol na areia em frente ao Shangri-lá (atual Bar Lagoa) e me lembro do Clube Tabajaras, no qual brilhava o Jonjoca, meu querido e inesquecível amigo, mais tarde um craque do Fluminense no esporte da rede. E ainda havia o remo, o iatismo, os pioneiros do esqui aquático, uma infinidade de opções. Isso, sem contar que a “geral” do estádio do Flamengo acabava em cima das suas águas e nos dias de jogo havia uma turma de canoa, encarregada de pegar as bolas chutadas para lá. Podia-se nadar sem problemas na Lagoa, só evitando pisar no desagradável fundo lodoso e nossa grande proeza era a travessia da Montenegro ou da Joana Angélica até a curva do Sacopã, onde hoje está o remo do Botafogo. Ali havia um ótimo restaurante, frequentado pelos meus pais, que servia o melhor filé da minha infância - encimado por uma rodela de manteiga com ervas que ia derretendo lascivamente - e acompanhado por batatas fritas crocantes e douradas. Na Lagoa, pescávamos de caniço e tarrafa ou caçávamos peixes e caranguejos simplesmente deixando um jacá submerso no raso durante algumas semanas, esperando que nossas vítimas lá se entocasssem e de repente puxando-o, correndo, até a areia. Jacá era um grande cesto com tampa, tecido de fibras vegetais grossas, muito usado para transportar verduras (nos bondes taiobas e bagageiros) das hortas para as feiras-livres. Tainhas, savelhas, mamarreis, carás e paratis eram os peixes mais abundantes, assim como os guaiamuns e aratus apareciam como os crustáceos mais comuns. Aves, que eu já citei em blog anterior, também não faltavam. Lá para os lados do Jardim de Alah, em certos dias, a pesca de centenas de tainhas com tarrafas era um acontecimento festivo. À época o Jardim de Alah era muito bem cuidado, com grama e canteiros de flores. Pouco depois do Canal, algumas ilhotas habitadas, com “tendinhas”, onde - diziam as torcidas adversárias - alguns jogadores do Flamengo, fugidos da concentração, tomavam “umas e outras” na véspera dos jogos (especialmente o Vevé, um ponta-esquerda espetacular, do tri de 1944). Quase em frente ao Canal ficava a ilha do Caiçaras, já com suas primeiras construções. Obra de alguns pioneiros de Ipanema, como o avô materno do Marcos Candau, o jornalista Jarbas dos Aymorés Carvalho, sócio n° 2 da ABI (o n° 1 era o famoso Herbert Moses). Na fundação, em 1931, Jarbas foi quem propôs o nome Caiçaras para o Clube, em alusão aos habitantes de nosso litoral. Sua filha, Dona Ena, contava ao filho Marcos que na época a turma jovem ia a nado até a ilha que, antes dos muitos aterros, ficava bem mais afastada do que é hoje o "continente". Depois de muitas incursões, tomaram posse da ilha e lá instalaram uma tenda de lona que foi a primeira sede do clube Caiçaras, hoje uma potência da vida social da zona sul. Tudo isso me foi contado pelo Marcos, que morava e estudava na Suiça (Genebra), até que voltou nos anos 50, para fazer o curso colegial no Mello e Souza. Lembro-me de nosso primeiro encontro, na Alberto de Campos: Marcos montado numa bicicleta marca RENA, cheia de mudanças, sofisticadíssima para nós, nativos, que conversávamos com ele e nos contentávamos com uma simples Monark ou a minha pobre Svalan contrapedal. Já visualizando um novo craque para o Grêmio Ipanema, perguntamos se Marcos jogava futebol e ficamos embasbacados quando declarou – com espantosa naturalidade - que seu esporte favorito, que ele praticava habitualmente na Suiça, era o ciclismo ! No País em que só se jogava futebol, aquilo soou como a resposta de um marciano. Eu até compreendi, por causa do Velo Esportivo Helênico, clube de ciclismo do qual meu pai (como bom europeu) era sócio e que tinha sede no sobrado da Padaria das Famílias, na Visconde de Pirajá 112, ao lado do Café e Bar Ipanema Só muito tempo depois todos presentes perceberiam que Marcos e a Suiça é que tinham razão e que a nossa monocultura futebolística era - e ainda é, mas agora amenizada pela ação do COB - um grande equívoco de País subdesenvolvido, de poucas oportunidades. Claro que a Lagoa também servia para que andássemos de bicicleta, como gostava o Marcos, além de apresentar uma atração imbatível: os pedalinhos, que ficavam junto a um hidroavião, estacionados entre as ruas Henrique Dummont e Anibal de Mendonça. O dono dos pedalinhos, Herbert Çukurs, era aviador letão e seu filho e ajudante se chamava Gunnar. Faziam voos e alugavam os pedalinhos. Pôr do sol, pedalinho, Corcovado, maravilha ! Alegria de todos nós, um dia os pedalinhos deixaram de funcionar, porque seu dono sumiu, depois de acusado de crimes de guerra. Assim era, em pinceladas superficiais, a minha Lagoa - mas ainda há muito mais a contar. Agora, dizem que há sinais de recuperação daquela jóia da qual usufruí, depois de mais de meio século de abandono. Tomara ! Quantas gerações (coitadas !) deixaram de se aproveitar daquela maravilha... A Lagoa dos anos 40 e início dos 50, que a minha geração conheceu e frequentou, era uma festa para muitos gostos ! 2.EDUCAÇÃO VISTA POR UM ENGENHEIRO – Meu colega Harald Hellmuth mandou-me um interessante texto sobre Educação, a qual deveria ser, idealmente, tema rotineiro do cidadão comum brasileiro. Eis seu ensaio: “O assunto educação me faz lembrar uma metáfora de Ortega: De um brilhante só podemos ver sem deformação uma faceta de cada vez; outras estarão sempre deformadas e a maioria não está nem sequer visível. Educação é um assunto sempre atual e sempre desconcertante. Educação e sistemas de educação não saem da "ordem do dia", da agenda da discussão pública. A faceta mais fácil de perceber é a da alfabetização. Um cidadão analfabeto, com raras exceções, está condenado a um tipo velado de escravidão. Não terá aptidões para um trabalho que lhe propicie uma vida com bom nível de conforto. A Revolução Industrial exigiu a alfabetização. Mas só a capacidade de ler e escrever já não é suficiente para o progresso individual e familiar. Por isso insisto que os funcionários do meu condomínio terminem o segundo grau: Quando fui síndico, consegui motivar dois, apoiando um com uma bolsa; agora mobilizamos um terceiro. Há os casos de reticência por falta de auto-confiança. A rigor, já temos nesta primeira abordagem mais de uma faceta. Faz pouco tempo, concordei com uma senhora quando ela afirmou, referindo-se aos filhos casados, que a educação nunca termina. A família evidentemente é uma faceta da educação com ligações a muitas outras, inclusive a da educação - ou liderança - pelo exemplo. Qual é o objetivo da educação? Trata-se de uma questão milenar. Envolve capacitação e comportamento. Não faltaram as tentativas de bitolar os comportamentos, supostamente para garantir a coesão da sociedade. Religiões serviram para este objetivo; o ser invisível que tudo vê e castiga foi uma invenção genial. Durante centenas de gerações, cabeças lumimosas e outras torturadas se esforçaram para "comprovar" a sua existência. Alguma culturas se fundamentaram em preceitos da experiência de comportamentos necessários, percebidos por cidadãos clarividentes: Os filósofos gregos e Confúcio são exemplos. Felipe contratou Aristóteles para educar Alexandre, pagando com a libertação da cidade natal do mestre. Educação sempre teve valor e preço. E também resultados: Alexandre construiu a biblioteca de Alexandria, mais tarde queimada por ordem de cristãos romanos. Conhecimento no domínio do povo, ou de externos a círculos de poder, de longa data foi considerado perigoso. O enciclopedista Diderot também foi reprimido. Mas o ser humano sempre continua guloso por uma "mordida na maçã do conhecimento", como expressa uma das metáforas fundadoras da cultura ocidental.........e sempre que morde, se percebe depois mais perturbado ainda. Freud andou redescobrindo o que a mitologia grega já expressava, dando-se conta que a sua educação....modelar da burguesia culta de sua época....era a causadora de histeria. Galileu, Copérnico, Darwin e Newton são exemplos do aprendizado pelo próprio cidadão, através da observação ingênua. De certa forma, os citados se auto-educaram. Eu disse aos meus filhos que eles têm o caminho da continuação de sua educação em suas próprias mãos. Parece contradizer algumas observações anteriores; fato é que um brilhante tem faces opostas, necessárias para compor o brilhante. A pergunta sobre os objetivos da educação não está respondida com clareza ainda. Uma resposta parcial está na capacitação para a continuação da própria educação, num processo de aperfeiçoamento contínuo. Como a capacitação é fundamentada em conhecimento, a acumulação de conhecimentos é uma parte indispensável do processo de educação....que em princípio não tem fim. Habilidades e treinamento perfazem uma outra parte. Sem esta componente não há desempenho. Isto vale tanto na área militar, como nos esportes e na produção. De longa data, sabe-se que o desempenho resulta da composição de capacitação com comportamento; a própria capacitação é função de comportamento. Por esta razão, características comportamentais estão presentes nos programas de 'treinamento" das organizações. Os comportamentos se referem à percepção da validade das ações, respondem à questão "Como?" e envolvem dever e as instituições - os "não pode" - informais e formais. E para que toda esta trama serve ? Se destina à sobrevivência do cidadão, das organizações, da sociedade e, segundo a percepção mais recente, da Humanidade, através do esforço de sobrevivência de cada um. Esta resposta corresponde a uma visão liberal da condição humana, que dá crédito ao cidadão por procurar contribuições construtivas, reconhecendo a recíproca dependência no contexto em que vive, ou seja, de que o cidadão age percebendo Responsabilidade. A visão oposta à visão liberal é a visão dogmática. A experiência histórica tem demonstrado que resulta em desempenhos inferiores, quando não tem conseqüências catastróficas. Como é complexa a estrutura do brilhante!" HARALD HELLMUTH